v. 2 n. 8 (2024): Revista (Re)Definições das Fronteiras - Arco Norte

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Este volume da revista científica (Re)Definições das Fronteiras dedica-se a examinar as interações sociais, econômicas e de segurança no Arco Norte do Brasil. Os artigos envolvem os países vizinhos Colômbia, Peru e Bolívia e abordam uma gama de temas que refletem os desafios únicos dessa região, onde as dinâmicas de fronteira.

Editorial

O Arco Norte, localizado na vasta região amazônica, representa não apenas a fronteira do Brasil com países como Colômbia, Venezuela, Peru, Guiana, Suriname e a região ultramarina da França (Guiana Francesa), mas também um espaço dinâmico onde desafios ambientais, sociais e econômicos coexistem. Esta região é composta por estados brasileiros com as mais baixas densidades demográficas do país, como Amazonas, Roraima, Acre, Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Esses "vazios demográficos" são palco de interações complexas que incluem a ocupação territorial, redes socioculturais e a organização da base produtiva (RETIS, 2005; IDESF, 2021).

A região é marcada pela existência de cidades gêmeas, como Tabatinga (Brasil) e Letícia (Colômbia), que exemplificam a interdependência das comunidades fronteiriças. Essas localidades são conectadas por fluxos intensos de mercadorias, pessoas e serviços, tanto lícitos quanto ilícitos. 

A porosidade das fronteiras facilita a movimentação de mercadorias ilegais, como drogas e armas, enquanto os rios da região, como o Rio Solimões, atuam como importantes corredores logísticos para commodities e para atividades ilegais (Banco Mundial, 2019, p. 8).

Do ponto de vista ambiental, a região enfrenta a exploração ilegal de recursos naturais, como madeira e ouro, que afetam profundamente a biodiversidade local e a segurança ambiental. Essas atividades, somadas à dinâmica migratória, criam desafios complexos para a gestão dos territórios. Além disso, os "vazios" populacionais tornam a região vulnerável à atuação de redes de crime organizado que se aproveitam da falta de infraestrutura e de fiscalização consistente (IDESF, 2021).

Crimes transfronteiriços, como o narcotráfico, têm se intensificado na região nos últimos anos, principalmente devido à presença de organizações criminosas internacionais que utilizam as rotas amazônicas como caminhos estratégicos para o transporte de drogas em direção à Europa e aos Estados Unidos. 

Estudos recentes destacam que as rotas fluviais, combinadas com a ausência de monitoramento contínuo, tornam o Arco Norte um ponto vulnerável na geopolítica do crime transnacional. Além disso, a exploração de recursos minerais ilegais, muitas vezes realizada em territórios indígenas, é financiada por redes globais que integram mercados ilícitos a cadeias de valor internacionais (Ministério da Defesa, 2024; Exército Brasileiro, 2024).

As iniciativas de segurança no Arco Norte envolvem um complexo mosaico de instituições, como a Polícia Federal, Forças Armadas, IBAMA e Receita Federal. Quando essas agências precisam cooperar com seus pares internacionais, enfrentam barreiras diplomáticas e burocráticas que dificultam uma resposta coordenada ao crime transnacional (RETIS, 2005; IDESF, 2020). Operações conjuntas, como a Operação Ágata, demonstram avanços, mas revelam a necessidade de maior integração entre as forças de segurança nacionais e regionais.

A região também se destaca por suas potencialidades. Estudos indicam que o fortalecimento da infraestrutura e o desenvolvimento de corredores logísticos podem promover uma integração econômica mais eficiente e reduzir as desigualdades regionais (IPEA, 2012). Além disso, há disponibilidade de uma miríade de saberes tradicionais dos povos da floresta como oportunidade para a implantação de projetos sustentáveis, como o manejo florestal comunitário e a bioeconomia.

Considerando os Arcos de Fronteira propostos no Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira” disponibilizado no site do Retis  (http://www.retis.igeo.ufrj.br/wp-content/uploads/2005-livro-PDFF.pdf), que detalhou as distintas perspectivas sobre a ocupação do território das faixas de fronteira brasileiras, indo além das questões econômicas, de segurança e defesa, acrescentando, além do conceito de redes, a compreensão da organização da base produtiva e sociocultural de cada Arco e respectivas sub-regiões.

Com esse olhar transversal e multidisciplinar, este volume destaca perspectivas sobre fenômenos em curso que sedimentam novos arranjos de uso e ocupação do solo e, por conseguinte, dos recursos naturais no Arco Norte onde o Brasil tem suas fronteiras compartilhadas com Bolívia, Colômbia, Guiana, Suriname, Peru, Venezuela e com a região ultramarina da França Guiana Francesa.

Os estados brasileiros inseridos no Arco Norte são: Acre, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul , Pará e Roraima. Destacamos, novamente, que estes são os estados com as mais baixas densidades demográficas do país sendo a mais baixa a do Amazonas 2,53 hab/km² (3.941.613 habitantes), seguido por Roraima 2,85 hab/km² (636.707 habitantes), Mato Grosso 4,0506 hab/km² (3.658.649 habitantes), Acre 5,06 hab/km² (830.018 habitantes), Pará 6,52 hab/km² (8.120.131 habitantes) e Mato Grosso do Sul 7,72 hab/km² (2.757.013 habitantes) .

Esses “vazios” refletem no resultado da densidade demográfica do Brasil, que é de 23,86 hab/km² que, por outro lado, tem o estado do Rio de Janeiro com 5.174,6 hab/km² (16.055.174 habitantes) e São Paulo com 178,92 hab/km² (44.410.000 habitantes).

Em artigos elaborados por profissionais que dedicam suas carreiras a vivenciar a rotina de tais “vazios” em suas rotas de terras, raros trechos de asfalto e abundantes traçados que singram os rios da região, presenciando e revelando o ir e vir de mercadorias, gentes e commodities lícitas e ilícitas.

As fronteiras do Arco Norte demandam a cooperação de operativos que, ademais das forças de segurança pública estaduais, envolvem efetivos das três forças militares brasileiras, além de profissionais da Polícia Federal, IBAMA, Receita Federal e Polícia Rodoviária Federal, dentre outros.

Quando tal ecossistema de agentes de Segurança, Defesa e Proteção Ambiental deve ser combinado com seus respectivos pares de outros países são acionados os meios diplomáticos que por suas evidentes missões, diretrizes institucionais e compromissos com as regras internacionais, por vezes, não alcançam viabilizar a tão sonhada cooperação.

É desta complexidade insolúvel e involuntária aos servidores que atuam nas faixas de fronteiras que os agentes dos crimes transfronteiriços se valem para avançar e promover a cooperação e a integração, do local ao global. 

Alguns dos artigos apresentam estudos de casos efetivos de tais estratégias contribuindo com um pensamento crítico sobre as causas e variáveis que viabilizam a ascensão do crime transnacional. Outros debatem sobre as questões burocráticas e/ou jurídicas implícitas nas dificuldades para a cooperação interinstitucional e/ou internacional para o enfrentamento do fenômeno que é comum a todos os países sul-americanos, mas que, na última década fortaleceu sua atuação nos traçados do Arco Norte.

Esta migração das rotas, conforme pode-se verificar nos artigos, deve-se a dois fatores principais. O primeiro tem a ver com a decomposição das bandas criminais no Brasil, com a chegada de atores internacionais (com maior poder econômico) que passaram a atuar na região amazônica, negociando associações ou promovendo conflitos para diminuir a capacidade da concorrência. 

O outro fator está relacionado com o incremento dos efetivos de segurança pública nos Arcos Sul e Norte que, mesmo com todas as dificuldades em mobilizar recursos, têm obtido resultados satisfatórios na apreensão de commodities ilícitas transportadas em diferentes rotas e meios.

Ou seja, o “vazio” do Arco Norte estando desguarnecido oferece um portal, principalmente para o narcotráfico, para a passagem bioceânica da droga produzida nos países do Pacífico para a costa do Atlântico brasileiro (outra fronteira a ser analisada em edição específica dedicada a este recorte do Atlântico Sul), rumo ao mercado consumidor europeu.

Este volume é mais uma contribuição do IDESF que, ao organizar produções acadêmicas especializadas no tema “fronteiras”, proporciona uma análise da projeção de poder geopolítico e geoeconômico dos agentes vinculados ao crime transnacional sobre os corredores logísticos estratégicos do continente americano.

Publicado: 2024-09-29

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